REVIVER/CPJ: Reeducandos são tema de TCC

Apresentação teatral com reeducandos na REVIVER/ Conjunto Penal de Juazeiro - TCC do recém formado em Ciências Sociais Valdeir Oliveira
Apresentação teatral com reeducandos no Conjunto Penal de Juazeiro – TCC do recém formado Valdeir Oliveira

REVIVER/CPJ: Reeducandos são tema de TCC

Para muitos, pensar em unidade prisional ou presos só acontece quando diante de algum veículo sensacionalista que relata problemas como superlotação ou alguma outra questão negativa ligada ao assunto. Mas há algumas pessoas que, fugindo à regra, mais que se interessar sobre o assunto se debruçam sobre ele, pesquisam, se aproximam, entendendo que a unidade prisional e os presos são sim, assunto de toda a sociedade. E esse foi o caso do recém-formado em Ciências Sociais, Valdeir Oliveira.

Entre os dias 19 e 21 de setembro, em Brasília (UnB), aconteceu o I Encontro Brasileiro de Pesquisadores e Pesquisadoras em Arte e Cultura nas Ciências Sociais , evento que teve como objetivo discutir como os/as cientistas sociais compreendem as manifestações artísticas, as práticas culturais e as identidades presentes em nossa sociedade. Valdeir Oliveira estava presente, como um dos selecionados, pelo trabalho e pesquisa desenvolvida com os reeducandos no Conjunto Penal de Juazeiro entre os maiores nomes da área, reunidos para apresentar suas pesquisas e refletindo sobre cultura e geopolítica, estéticas e identidades, cidades e patrimônios etc . Para se apresentar neste Encontro, os candidatos precisavam ter desenvolvido uma pesquisa relevante e inovadora na área de arte/cultura, e mais do que isso, a pesquisa de Valdeir despertou admiração e curiosidade pela pesquisa/ trabalho desenvolvido em muitos ali presente.

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A Assessoria de Comunicação da REVIVER conversou com o Cientista Social, para saber mais sobre a pesquisa desenvolvida, a peça teatral com os reeducandos, e seu aprendizado, depois de passar mais de 2 anos de convívio na unidade prisional de Juazeiro, em que a REVIVER está presente através do regime de cogestão, atuando em parceria com o Estado. Confira!

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1 – ASCOM: Você realizou seu TCC numa Unidade Prisional – Conjunto Penal de Juazeiro – e antes, esteve estagiando e convivendo com privados de liberdade. Quanto tempo se deu essa experiência, e quando você iniciou esse contato com privados de liberdade? 

Valdeir Oliveira: Iniciei minha experiência no Conjunto Penal de Juazeiro/BA-CPJ em abril de 2015 quando comecei o estágio curricular de meu curso (Licenciatura em Ciências Sociais) fiquei até abril de 2016 estagiando. E a partir de maio de 2016 iniciei minha pesquisa de conclusão de curso em que finalizei em junho de 2017, assim, fiquei mais de 2 anos convivendo com os reeducandos.
2 – ASCOM: Como se deu o seu contato, sua aproximação com uma unidade prisional? 

V.O.: Quando estava no 5º período do curso (final de 2014) peguei-me pensando onde iria realizar meu estágio. Conversei com colegas que já estavam no estágio e dentre eles, 2 colegas desenvolviam seus estágios no CPJ. Quis conhecer como era, e me senti instigado a querer conhecer, analisar como se dava educação em uma instituição penal. A partir dessa inquietação, decidi que o CPJ seria meu espaço de estágio. Dessa forma, mediado pela Professora do Estágio e por sinal minha Orientadora (Vanderléa Andrade Pereira) fiz contato com o coordenador pedagógico, Enio Silva e firmamos parceria.

 

3 – ASCOM: Existem os estereótipos de modelo do que vai se encontrar numa Unidade Prisional. Você já conhecia a COGESTÃO? Sabia da atuação da empresa REVIVER dentro do Conjunto penal de Juazeiro?

V.O.: Não conhecia o modelo de cogestão. Sabia que existiam espaços de prisão pelo Brasil que eram administrados por empresas privadas, contudo, não conhecia nenhuma realidade de perto. Quanto a Reviver, soube que atuava no CPJ através das colegas que também desenvolveram
o estágio na instituição.
4 – ASCOM: O fato da REVIVER atuar no Conjunto penal de Juazeiro fez alguma diferença para sua imersão nesta Unidade como laboratório, fonte de pesquisa?

V.O.: Sim! O fato da Reviver atuar no CPJ foi fundamental para minha pesquisa, pois como objetivo de meus estágios e minha pesquisa de conclusão de curso foi analisar e contribuir com a ressocialização dos reeducandos, obtive uma parceria sólida e calorosa com a Reviver, que colaborou para minhas atividades principalmente para o grupo de teatro que criei no Conjunto Penal de Juazeiro. Dessa forma, pude desenvolver meu trabalho apoiado pela Reviver e direção da unidade o que facilitou o andamento de minha pesquisa, bem como na contribuição do resultado tão positivo que obtive.
5 – ASCOM: O que te motivou a transformar esse estágio no seu TCC? Já era um caminho natural a partir do momento que você estagiava na unidade prisional?

V.O.: Durante as orientações de estágio, minha Professora Vanderléa nos instigava a estarmos em espaços que ofereciam educação/educações que poderiam ser lócus de pesquisa para o TCC. Diante disso, quando decidi ir para o CPJ, já sinalizava como local de pesquisa, só ainda não sabia como iria conduzir a pesquisa.
6 – ASCOM: A sua escolha por aquele ambiente, descortinar a vida daquelas pessoas privadas de liberdade, ver aquilo como fonte de sua pesquisa, estava totalmente ligada a seu convívio? Você considera essa aproximação importante para uma sensibilização quanto a reeducando?

V.O.: Venho de pastoral social, uma parte de minha adolescência e juventude estive na PJMP-Pastoral da Juventude do Meio Popular em minha cidade Capim Grosso/BA, nela fui conhecendo o fazer da luta por direitos, fui tendo embasamento sociopolítico e cultural, me posicionando na sociedade e escolhi ser professor por acreditar que a educação é um instrumento político que possibilita uma criticidade de si e do meio social, assim, pude olhar com outros olhos para as pessoas privadas de liberdade, claro que é muito diferente, só se sabe como é um pouco da realidade de um reeducando quando se convive com ele. O fato de estar toda semana convivendo com as pessoas privadas de liberdade, me possibilitava conhecer, ouvir as histórias de cada um. A partir de então, fui percebendo e conhecendo outras histórias para além da prisão, momentos vividos na infância, juventude. Então, minha experiência com causas sociais, e conhecendo por dentro a realidade de quem vive a margem da sociedade, contribuiu para uma melhor sensibilidade de minha parte quanto aos reeducandos, o que permitiu uma confiança entre mim e os internos, e isto foi muito importante para a criação e união do grupo de teatro.


7 – ASCOM:
 Apesar de ter tido um convívio de 2 anos, e esse tempo de alguma forma pode ter lhe proporcionado uma sensação de acolhimento que para as pessoas que nunca entraram numa unidade prisional seja difícil de imaginar. Contudo, você teve alguma sensação de desafio que te fizesse pensar 2 vezes? Se houve, quais foram seus maiores desafios para realizar o seu TCC?

V.O.: Quando decidi estar numa instituição penal imaginava os desafios que poderia encontrar, mas só na prática é que fui vivenciando. Por ser uma instituição que requer cuidados específicos precisei me adequar. Sempre precisei pedir com a antecedência a autorização para entrada de materiais diferenciados (já que estava trabalhando com arte/teatro).  O acesso a instituição também não é tão fácil e o dia a dia também é desafiador, era preciso estar sempre seguro de meu trabalho e de meu objetivo, bem como sempre levar novidades aos participantes. No grupo de teatro o maior desafio foi a permanência dos participantes no grupo, primeiro porque eram homens que nunca haviam feito ou até mesmo visto uma peça de teatro, segundo porque alguns estavam no período de mudança de regime.

8 – ASCOM: E como veio a ideia do teatro no seu trabalho de pesquisa? Você já tinha alguma experiência na área de artes cênicas? 

V.O.: Faço teatro desde criança (escola, igreja), porém, a partir de 2010 comecei a participar de cursos de formação em minha cidade. Tenho experiência como oficineiro de teatro em programas como Projovem Adolescente e Mais Educação, porém teatro em uma instituição penal ainda não, nem conhecia ninguém que atuasse em presídios.  O teatro sempre fez parte de minha vida, quando realizei o sarau em junho de 2015, tentei inserir o teatro, alguns reeducando cobraram, mas por demandar tempo, não consegui. Para o TCC, resolvi utilizá-lo como instrumento metodológico e assim se deu, a partir da arte teatral pude conhecer um pouco mais das histórias de vida dos participantes (a quem chamei de Atuantes).
9 – ASCOM: Você acha que seu trabalho, de alguma forma, possibilita que as pessoas consigam ver mais humanidade, nos privados de liberdade? É esse o objetivo ou função principal do seu trabalho? 

V.O.: Consigo perceber esse outro olhar das pessoas. Como meu TCC teve uma repercussão grande na cidade de Juazeiro e região por conta da divulgação em sites e blogs de notícias. Pelas ruas ou redes sociais conversei com pessoas que se mostravam espantadas e curiosas em saber como foi minha convivência com os reeducandos, os meus desafios. Em minha cidade da mesma forma. Houve divulgação em sites e dei uma entrevista para uma Rádio. Essa divulgação permitiu que as pessoas pudessem conhecer um lado que não é divulgado: há pessoas nas instituições penais, pessoas com sonhos, com histórias, com toda uma vida antes da privação de liberdade, o interno, o reeducando antes de ser isso é pai, amigo, esposo, filho. Com meu trabalho busquei apresentar as pessoas que estavam presentes em minha defesa, bem como a quem ler meu trabalho que é preciso repensar como nos posicionamos perante os espaços de prisão, é preciso um refazer crítico para o nosso trato com o indivíduo privado de liberdade, até porque o mesmo retornará ao convívio social após o cárcere, e nós como reagiremos? Qual recepção e quais oportunidades ofereceremos a essas pessoas? São estes questionamentos que provoquei em meu TCC.
10 – ASCOM: Para o desenvolvimento de seu trabalho, você fez com que os privados de liberdade revisassem sua própria história, lembrassem de suas vivências familiares. Você considera esse reconhecimento, trazer essas lembranças à tona como positiva no incentivo, no esforço de se recuperar, de repensar o que lhe fez estar ali, de uma forma positiva para eles, e consequentemente para a sociedade?

V.O.: Quando decidi utilizar as histórias de vida como metodologia. Quis conhecer um pouco mais de perto os internos, quais memórias eles guardavam da infância, da juventude. Apostei nas narrativas e histórias de vida como forma de mostrar a eles que eles são protagonistas da vida, mesmo que os caminhos tenham sido trilhados de formas diferentes, errantes. Percebi que com este trabalho os indivíduos participantes se mostraram mais críticos de si, mais reflexivos sobre suas ações. Acredito que isto é muito importante para um ressocialização, pois possibilita um repensar de ações.

 

11 – ASCOM: Como as pessoas receberam essa sua decisão quanto à fonte de pesquisa para realização do seu TCC (me refiro à professores, colegas de curso, familiares por exemplo)?

V.O.: Há um estigma, um preconceito com reeducandos. Nossa sociedade julga, aponta o dedo, mas não propõe debates, não procura conhecer de perto a realidade do sistema prisional, dos caminhos trilhados por cada um. Em meu círculo de convivência (amigos, colegas de curso, familiares) encontrei pessoas questionando, julgando o porquê de querer estar em uma instituição penal, bem como alguns familiares preocupados, tensos, contudo, eu queria conhecer de perto como era a educação dentro de um conjunto penal, como eram os internos. Sabia que não seria fácil, mas eu precisava estar ali, estava inquieto, queria conhecer as histórias de vida dos privados de liberdade. Assim, o fiz! E após os resultados, diversos discursos mudaram. Agora, compreendem a importância e a necessidade d e minha pesquisa, Algumas dessas pessoas que julgaram estavam presentes na minha defesa, as convidei para que pudessem ver de perto um pouco da rotina de um conjunto penal para que pudessem ver os reeducandos atuando em uma peça de teatro, contando suas histórias.


12 – ASCOM:
 Você tirou alguma lição por conta dessa pesquisa, por descortinar a vida daquelas pessoas privadas de liberdade. Há algo que se precisa perceber e seu trabalho lhe mostrou ou pode mostrar a outras pessoas?

V.O.: É uma lição para vida! Não sou mais o mesmo homem! Mudei muito! Os internos (Atuantes) me ensinaram muito. Foram meus professores na escola da vida. Pude conhecer os diferentes caminhos trilhados por cada um deles. Percebi o humano que há em cada um. O reeducando não é só reeducando, é também um pai que sente saudades da família, um filho que quero o colo dos pais, um amigo que quer se divertir com seus companheiros. Identifiquei que mesmo em um espaço de prisão, há homens que ainda sonham, que fazem planos, que querem dar um novo sentido a vida. Acredito que outras pessoas ao lerem meu trabalho poderão compreender estes outros rostos de um indivíduo privado de liberdade, percebo assim alguns discursos quando conversam comigo. O olhar para o interno em Juazeiro começou mudar, após meu trabalho. Sei que ainda é tímido esse olhar, mas já é possível identificar novas falas com críticas positivas. Esse é um grande ganho de meu trabalho, além da felicidade e da nova forma de encarar a vida apresentada pelos participantes da pesquisa.
13 – ASCOM: Os reeducandos que colaboraram com sua pesquisa lhe deram algum retorno quanto à experiência de terem participado da apresentação teatral, os ensaios, a revisão de suas vivências antes da privação da liberdade?

V.O.: Sim! Pedi que escrevessem, bem como  pude ouvi-los  contar como foi a experiência de estar em um grupo de teatro. Cabe o destaque aqui a fala do Atuante G:

“Estou há sei anos que me encontro privado da sociedade. Aqui, antes do teatro, meus passos que não faziam muito sentido, me faziam pensar em muitas coisas fora da lógica de uma ressocialização. Com a chegada do teatro em minha vida, tudo mudou em termo de vivência, família, amigos, conhecidos e estranhos.”

Há nesta fala a percepção de transformação social que o teatro provocou na vida de um indivíduo privado de liberdade, isto é muito gratificante, é uma sinalização de um reeducando que através do teatro passou a ver a ressocialização de outra forma, como possibilidade de mudança, de melhoria de vida.
14 – ASCOM: Você apresentou seu TCC no dia 20 de junho. É muito recente. Mas eu gostaria de saber a sua pesquisa repercutiu de alguma forma? Algum espaço ou entidade manifestou interesse em conhecer mais o seu trabalho apresentado? Há planos futuros com esse material de pesquisa?

V.O.: Fiquei muito surpreso com a repercussão! Um dia após minha defesa, os blogs e sites de notícias de Juazeiro e região começaram a divulgar minha pesquisa. Nas matérias havia comentários positivos das pessoas surpresas pela minha decisão de trabalhar o teatro e de defender meu TCC numa instituição penal. Também dei entrevista para a Rádio Transamérica em minha cidade Capim Grosso, pois os blogs de lá também haviam divulgado o meu trabalho o que provocou uma curiosidade na direção da rádio para saber mais sobre meu trabalho. Fui convidado também pelo Colegiado de Ciências Sociais para socializar minha pesquisa na Univasf, pois há diversos estudantes querendo conhecer como foi estar com os Atuantes para se apropriarem e amadurecerem a ideia de estagiarem no CPJ. Bem como fui convidado pela Ascom da Univasf para conceder entrevista para falar de minha experiência. Ainda, fui selecionado no 18º Congresso Brasileiro de Sociologia para apresentar minha experiência no Conjunto Penal de Juazeiro. Fiquei muito feliz, pois é o maior evento na área de Sociologia do Brasil, a seleção é muito criteriosa e rígida. É muito bacana quando temos nosso trabalho reconhecido, diversas instituições grandes (citadas acima) reconhecendo a importância de meu trabalho, só reforça que minha experiência é válida e que preciso continuar. Quero seguir com esta linha de pesquisa em Mestrado, Doutorado.  E se possível que seja Conjunto Penal de Juazeiro, pois agora formado como Professor de Sociologia e aliado a minha formação como Ator me sinto mais ainda preparado para o descortinar de novas histórias, pois quando retornei para o CPJ após meu TCC ouvi de outros internos o interesse, o desejo de entrar no grupo de teatro, e isso é muito potencializador para eu continuar desenvolvendo meu trabalho aliado ao objetivo da Reviver que é a ressocialização do reeducando. Muito Grato a Reviver por todo apoio!

:: ASCOM REVIVER
comunicacao@reviverepossivel.com

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